segunda-feira, 11 de outubro de 2010

E assim Infinitamente...

Abrem-se as portas do paraíso, o ciclo renova-se novamente e assim temos um novo morador. Um senhor, 80 anos, viveu uma vida politicamente correta, sem extravagâncias. Todos os dias levantava cedo, fazia suas orações e caminhava pela casa enquanto o café não estava pronto. Era casado há uns 40 anos com uma senhora que sempre fora vaidosa, jamais perdera elegância. Na juventude, ela tinha longos cabelos castanhos e era cobiçada por todos.

Já ele, nunca fora ninguém. Sempre calado, parecia estar sofrendo em silêncio, isso na juventude, claro. Em sua fase adulta realizou grandes feitos, ganhou muito dinheiro, construiu um império. Não era religioso, ninguém era... apenas algumas raras exceções importavam-se, mas a garota de cabelos castanhos e os belos olhos de ressaca importava-se. Em vida, não colecionou muitos amigos, mas os que teve valiam muito mais do que os muitos que tinham... em sua adolescência, convivia com a falha idéia de ser mais um desconhecido da turma empenhando-se para se dar bem e um dia, quem sabe sair da anônimidade. Enquanto ela, sua esposa, era cercada de amigos e amigas -que já não mantêm contato- e notas regulares, vivendo uma vida cômoda com direito a TV, cinema e festinhas.

Na sua maturidade, tinha uma vida tranquila, conseguia o que queria facilmente e assim infinitamente podia seguir o fluxo do passar dos anos enquanto contemplava o correr das águas do tempo. Até quando casou-se e formou uma família, um casal de filhos que hoje já são adultos. Conservou até hoje, dia de sua morte, as memórias mais marcantes e momentos que proporcionaram os dias mais felizes de sua vida. Se soubesse naquela época que casaria justamente com aquela garota, talvez as coisas não tenham sido como foram, não saberia o que fazer e assim infinitamente a vida seguiria outro fluxo sequer parecido com o que seguiu.

Pela manhã, ela levantou-se primeiro e lavou o rosto no banheiro, deixando seu marido dormir mais um pouco, pois apesar de não revelar, aparentava-se cansado nos últimos dias, embora não tivesse falado nada a respeito, ela o conhecia e sabia que desde os tempos em que foram colegas de sala, ele sempre costumava guardar os detalhes para si. Após enxugar o rosto, olhou rapidamente para o marido e saiu. Lembrando do quanto eram diferentes e de como não se conheceram melhor antes, acreditando que na época, ele era uma das pessoas mais estranhas de sua classe, ambos tinham diferentes modos de ver o mundo, ela jamais preocupara-se com o futuro enquanto ele temia o que o esperava.

Quando chegou na mesa, a empregada ainda não tinha terminado de organizar o café da manhã, fazendo-a regressar ao quarto e levar o café do marido, que completaria hoje, 81 anos. Entrou com uma Bandeja de prata que comprara no natal. Teve a idéia de fazer o que o marido sempre fazia quando era seu aniversário, mas não se saberá a reação do nobre senhor ao ver a esposa carregando um organizado café da manhã, pois estava morto sobre as cobertas.

Ao tentar, três vezes, acordar o marido, sentiu sua pele gelada e derrubou a bandeja, fazendo um estrondoso barulho e espalhando café e pedaços de xícara por todo o quarto. Ligou imediatamente para os filhos, sentou-se na cama e esvaiu-se em lágrimas, não há mais o que fazer, acabou para ele, mas sabia que para ela, continuaria, como sempre, dia após dia. Chorar era algo que não acontecia muito com a nobre senhora, embora tivesse uma tendência de ficar triste quando decepcionada, chorar não. Isso aconteceu uma vez, lembra-se claramente, que chorava no colégio e seu futuro esposo estendeu a mão e perguntou se havia algo com que pudesse ajudar, se precisava de companhia. No momento, achou que aquele garoto devia ser o cara mais ridículo que podia conhecer, atrapalhar a privacidade de uma pessoa em um momento de tristeza não é nem um pouco educado. Mas hoje, após muitos anos juntos, entendia que aquele garoto apenas queria ajudar, como sempre fazia com todos. Hoje estava morto, coisas da vida.

No fundo, ela tinha esperança que ele acordasse com um olhar confuso, olhasse para ela, estendesse sua mão e perguntasse o que foi, se ela estava bem, se precisava de ajuda com alguma coisa e assim infinitamente poderiam continuar juntos. Mas isso não aconteceu... e nem vai acontecer. Até porque, ele está morto, e agora ela estava sozinha, a vida continuaria sem ele, disso ela sabia bem, sempre soube. Mas arrependia-se de ter sido tão rude e tão vazia às vezes durante a adolescência de ambos, se soubesse naquela época o quão nobre e interessante aquele garoto era, se pudesse ter assistido menos TV, Menos amizades insignificativas, talvez pudesse ter conseguido enxergar melhor o potencial das outras pessoas, agora era tarde demais; se pudesse ao menos voltar no tempo e recuperar o tempo perdido, como se 40 anos já não fosse tempo suficiente.

Mas isso não vai acontecer. Porque Eu, criador e escritor dessa história acabei de matar o marido dessa senhora. Um senhor de 80 anos, bem casado com uma bela senhora, que tinha 2 filhos. E agora ? acabo de encerrar este ciclo, assim como encerro vários outros todos os dias, de fato, queria que ela terminasse sozinha e assim infinitamente aguardar o dia de sua morte para juntar-se ao seu amado e carismático marido, o que não acontecerá, já que estou encerrando essa história com um ponto final daqui a pouco em algumas linhas breves. Maldade minha ? as coisas um dia tem que acabar, mas aqui, controlo tempo e espaço, o mundo aqui escrito é meu e somente meu até quando resolver colocar um ponto, sim, um ponto, indicando então o final da história, a partir deste momento, já não me pertencerá mais, o futuro a Deus pertence e assim infinitamente...

Ambos ainda estão bem vivos, no passado.

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E assim infinitamente... de Davi Abath é licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported.
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