terça-feira, 28 de setembro de 2010

Divagações de Meia-noite

Escrevo sob força de uma promessa feita a uma jovem e bela dama, em uma noite onde caminhava sozinha pelas ruas; estava sentado em um banco quando minha bendita curiosidade obrigou-me a perguntar :

- O que a bela moça faz sozinha a essa hora da noite ? não sabes que é perigoso ?

Ligeiramente respondeu-me :

- É mesmo, mas devo perguntar-lhe o mesmo e partir, realmente já está tarde demais para caminhar.Intriguei-me com sua despreocupação, de certo era uma jovem destemida.
- Nem todo vagante é vadio, madame... conversemos ?

-Primeiro vosso nome e o que fazes para viver.-

-De fato, nome tive vários, creio que isso não seja tão importante assim, mas sou escritor e me chamo Wallace, escrevo para o jornal local.-respondi com tamanha sinceridade.

-Jamais li nada a respeito. Assim como vós, meu nome não é relevante, chame-me de Alegria.

Ao decorrer do tempo, a noite estendia-se a sua metade, conversamos a respeito de diversos e relevantes assuntos, tendo sempre em vista o aspecto filosófico da natureza e os dilemas sociais, para a época, raras mulheres possuíam tais idéias, realmente possuía a cabeça visando o futuro. Desde convicções religiosas, a obras e autores prediletos, dissertava como enxergava o mundo.

Quando a torre da catedral ali perto anunciou a meia-noite, com o som embriagante dos pesados sinos gigantes, em uma bela noite de lua cheia, sem nuvens, mas com poucas estrelas. O local era bem iluminado pelos candeeiros, mas a luz lunar trazia ainda mais iluminação, tornando-o deveras confortável. Devo relatar que poderia passar o resto da noite conversando, sou um homem ainda jovem, porém recluso e antipático, simpatizei com a moça e minha intuição provou que estava certo, era sábia, muito mais do que a maioria das jovens da cidade, que apenas pensavam em casamentos e eram entregues pelas mães aos nobres da região, como um prêmio a ser conquistado, uma imagem a ser mantida.

-Passou de minha hora, devo partir, meu dia será ocupado, várias pendências.- disse-me subitamente, rompendo o silêncio de minha meditação, esperando de minha parte, a despedida.

-Ainda é cedo... - repliquei com um argumento óbviamente inválido, mas transparecendo uma breve, mas verdadeira esperança de que Alegria mudasse de idéia e permanecesse por singelos 30 minutos, ao menos.

- A vida é linda apenas para alguns.- disse de maneira fria e desdenhosa, como se jogasse um argumento e esperasse que o decifrasse para então discutirmos.

- Creio que para todos a vida seja bela, mas de uma maneira única e que muitos não a enxergam, como nessas novas poesias, que apenas transmitem dor e sofrimento em função de um objeto de desejo aparentemente inatingível.

- Deves lembrar que pessoas morrem de fome todos os dias, para os famintos o mundo não é belo, de forma alguma.

- Mas quando conseguem algum alimento renovam suas forças e consequentemente conseguem uma razão para esperar o amanhã e lutar pela sobrevivência enquanto seus corpos resistirem. Entendo seu ponto e acredito que esteja coberta de razão.

- Obrigada, cavalheiro, mas agora realmente devo ir, não tente impedir minha partida, parte de mim quer discutir sobre tudo e aprender novas idéias, mas minha mente sabe que devo honrar meus compromissos e partir.

- Compreendo.. apenas prometa-me que voltará a esse recinto e que discutiremos mais sobre vossos ideais.

- Prometo.- disse, levantando-se e adentrando a escuridão, sem olhar para trás.

Ainda não tornei a vê-la, pouco tempo depois tive problemas de saúde que me obrigaram a mudar para uma região de clima tropical, segundo os melhores especialistas é a melhor maneira de agilizar o tratamento de uma doença que sequer venha a ter uma cura.

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"Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer."
- Carlos Drummond de Andrade



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